quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Recorte


São mil as possibilidades de me ver enraizada
E no entanto paira essa sensação hostil
De uma falta de chão
Nesse chão que eu ainda piso tal qual uma inválida
Essa segurança um pouco solta
Dentro de mim se desamarra
E eu me jogo no corrimão dessas escadas
Numa recusa à vertigem
Cedo à queda e à gravidade que me chama
E me uno a terra pra colher a sua força
Mas logo dela também me desenlaço
Que já do alto me convidam as nuvens a um bailado intenso
E viro ar até embrulhar o estômago
E me estilhaçar até o pó
Assim sendo, pó, sou recomeço
E daí é só um passo pra me modelar em flor ou visitante
Expectar na galeria escura
Ou me inundar na imundície deliciosa de pântanos e de charcos
É tudo minha casa
Embora eu não a preencha como deveria
Falta a altura certa ao meu corpo pequeno
E me faltam portas à imaginação alargada
No final das contas me falta é apenas dizer:
que não, não falta nada

19/12/2007

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Auto afirmada


Essa ânsia de correr que me alimenta

Sou feroz no vício pela vida

Sou menina na dor e na ferida

Mas a angústia de mulher que em mim se cria

Me aferrenha a esse dia

E me sustenta


29/10/07

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Sem dó nem piedade...

É preciso romper com o mundo

Mesmo quando ele, imundo

Te dá um tapa na cara

Te acerta, sem vacilar



terça-feira, 25 de setembro de 2007

Amor que com amor não se paga


Querer é o vício que te corrói aos poucos
Que te adoece
E, submisso ao outro
Para qualquer resposta sua pergunta é vaga
Nenhuma carícia afaga
Acolhe sua sede
Ou sedia sua paz
Você lento divaga
Balança
Entre a mágoa
A calma
E a obstinação

25/09/07
Imagem: Os amantes- Rene Magritte

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Herculóide


Há dias em que sou carga pesada

Fardo insuportável

Não consigo carregar


19/09/07

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Euforia desatinada


Invade minha casa
Com suas asas
Adentra minha vida
Sem ser convidada
Com a dentadura
escancarada
Eu a recuso
Não dá em nada
Ela abusa
dissimulada
Da minha calma
tão ensaiada
A minha paz
faz assaltada
E eu me quedo
reconquistada

http://www.zap-letras.com/letra/2455586/

18/09/07
Imagem: Pierre Verger- Cavalo Marinho

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Antologia cotidiana


A vida te atormenta com questões idôneas
Te faz concessões frágeis
E confissões sutis
Quem és tu no teu cotidiano vil?
Movimentando-se por reprimendas
E se ocultando em documentos mil?
Essa crise de identidade
Que vai te levando além
Deveras vai te afogando
Num chá de desespero
E nesse destempero
Tu vais deixando aquém
Todas as tuas expectativas
Transformas-te em questões mesquinhas
Vais e vens
Entre picuinhas
Depois te entregas à cirurgia plástica
E num passe de mágica
Renovas-te, numa medida prática
Te satisfazes de maneira sádica
E nem sequer te lembras do que tu eras
Ou do que tu és?
Quem saberá?

14/09/07

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Helianthus


Aonde me leva
essa procura por cura
Choramingo por dengo
Em minha loucura
Viro semente de mim
Necessitada de terra fértil
Sou polén espalhado
E em terreno acidentado
Sou projeto
De flor híbrida
Estranha e bela
Desconstruída
Muda de erva daninha
Desenchabida
Que na espera se aninha
E cresce, singela

28/08/07

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Veneno em infusão contínua...


Esse seu fogo fluído de água viva
Queima e não arde
Cora minha pele alva
E não me lesa
Que em minha cútis frágil
Eu guardo teu antídoto
E em minha alma calejada
Sempre o teu vício...

27/08/07
"Deixei atrás os erros do que fui
Deixei atrás os erros do que quis
E que não pude haver porque a hora flui
E ninguém é exato nem feliz.

Tudo isso como o lixo da viagem
Deixei nas circunstâncias do caminho
No episódio que fui e na paragem
No desvio que foi cada vizinho

Deixei tudo isso, como quem se tapa
Por viajar com uma capa sua
E a certa altura se desfaz da capa
E atira com a capa para a rua"

Fernando Pessoa

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O dilema


Há dias que vivo a vida de outra
Pesada e plana
E calma
Sorriso franco
De mulher realizada
No funda era minha alma
Pedindo paz e sossego
Agora volto a mim
Ao meu pleno desassossego
O sorriso ainda franco
Aliviado mesmo
Insatisfeito

20/08/07
Imagem: Pierre Verger

"Você pára
afim de ver
o que te espera

Só uma nuvem
te separa
das estrelas"

paulo lemisnki

domingo, 12 de agosto de 2007

Mal passada

Essa aflição...
Essencial como um mau pressságio
Me dá a dimensão exata
Do teu descaso
De tua amargura e solidão
Eu quero perder teu contato
E esquecer tua descompreensão
Ser firme, ser não
Se chega, já te destrato
Me vingo da tua falta de tato
No meu bem querer abstrato
Onde saltas pro alto
E te faltas o chão

12/08/07


"Eu queria querer te amar o amor
Constrir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero e não queres como sou
Não te quero e não queres com és
Oh! Bruta flor do querer
Oh! Bruta flor, bruta flor..."

Caetano veloso- O quereres

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Soneto de separação

"De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente"

Vinícius de Morais- Antologia Poética

Fragmentos nulos


É tantas e tão pouca
Tão leve e tão solta
Que lama lhe cobre
E vento lhe acaricia
Agora ela é nobre
rica e bendita
Pulsa, com maestria
Mas de repente descobre
Mil portas
E já se ia
Ia no areal
Na venda
Já se dizia:
Dê-lhe seu carnaval
Não foi por mal
Que vinha o dia
Caminhe o que é normal
E afaste o mal
Porque é Maria

07/08/07

"Pousa-se toda Maria
No varal das vinte duas fadas nuas loirinhas
Foste besouro Maria
E a aba do Pierrot descosturou na bainha
(...)
Sou a pessoa Maria
Na água quente e boa gente tua Maria
Voa quem voa Maria
e a alma sempre boa sempre vou a Maria
(...)
Tua pessoa Maria
Mesmo que doa Maria
Tua pessoa Maria
Mesmo que doa
Maria"

(Maria de Verdade- Marisa Monte)

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

O bêbado e a equilibrista


Descompreendida ela espera
Que ele entenda
E lhe explique
Ele relax
De pileque
Pensa na gasolina
(Que está cara)
E ela de cara
Com tamanha insensatez
E tanta insensibilidade
Percrustada e descoberta
No meio da embriaguez
Dá piti e vai embora
Jura que se separa
Até o final do mês
Ele promete mundos e fundos
(Pra ela e pra todo mundo)
Chega em casa imundo
Chamando urubu de meu lôro
E periquito de pequinês
Acorda numa sede louca
Sem lenço, documento ou lembrança
De qual sorte virou freguês
Mas ela com dedo em riste
Esconde, é claro, que está triste
Que malandro aqui não tem vez

06/08/07

domingo, 5 de agosto de 2007

O transbordo

Inocente
Até que se prove o contrário
Eu tiro minha culpa
De dentro do teu armário
Sem fé, apego ou desesperança
Tu descobres que já não sou criança
Que brinco com fogo e me queimo
Vivo em desassossego
Não me escondo, não temo
Tropeço pelo caminho
Ébria de insatisfação, extâse e vinho
Me jogo do penhasco
Me espatifo no chão
Me quebro em três mil pedaços
Me perco, me acho
Seguro tua mão
Volto a tona
E enfrento a lona
Dessa vidinha clichê
Em que se cai e se levanta
Onde entre rimas se dança
Novela mexicana
Azeda, tamarinda
Às vezes doce de coco
Com pinta de obra prima

05/08/07

terça-feira, 31 de julho de 2007

"Amor?
Receios , desejos
Promessas de paraíso
Depois beijos, depois risos
Depois...

E depois, amada?
Depois dores sem remédio
Depois pranto
Depois tédio
Depois... nada!"

Menotti del Picchia

domingo, 29 de julho de 2007

Tarde anacrônica


É domingo
E tudo venta
O frio me corrói
Mas não dói
Agora sou inexata
E intangível
Difícil mesmo de se apreender
O vento me fez alada
E eu então não mais me meço
Eu dissipo quieta
Como bolha de sabão
Me esparramo lenta

E me perco, em vão


29/07/07










sexta-feira, 27 de julho de 2007

O abuso

O cheiro da sua mão na minha
O gosto do teu beijo
Que eu não provei
O abraço mudo
O sussurro surdo
Meu menino moreno
Meu doce menino
Me faz inocente
Me dá a malícia de um palhaço no circo
Me desperta os sentidos
Ternamente
Me tira do eixo
E sem juízo
Sou toda sua
Sou só sua
Simplesmente

27/07/07

Aves mitológicas


Que há nessa cidade
Além de mulheres mundanas
Garotas comtemporâneas
Meninas de vanguarda
E de rima
Certas do que querem
(Por que querem tudo)
Te olham de cima

Que há nessa idade
Além da fisiologia
Muito além da filosofia
Mulheres reais e com asas
Borboletas carnais
Com a mente em brasa
Enlaçam, seduzem
Num susto
Te viram do avesso
(Menino travesso
aqui não tem vez)

Essa era de meninas múltiplas
Repartidas em duas ou três
Mocinhas que são reis
Matriarcas do caos e da lama
Sensíveis, bacanas
Uma raça de mulheres magas
Trazem algo no peito que afaga
Conforta e sempre desafia
Provoca a seguir em frente
Convoca a ser mais que gente
Garotas de diamante
Sempre errantes
(Um tanto quanto perdidas)
E permanentemente mutantes

Em 27/07/07, inspirada por dona Pinocha Frida Kahlo




quinta-feira, 26 de julho de 2007

Crise de abstinência

Te ver é te querer
É querer promover
Uma comunhão de corpos
Um encontro de almas
É querer dedos de lápis de cera
Pra copiar teu rosto meigo
A cada toque
E a cada beijo
dar um retoque
Com desejo
Com usura
Não tem jeito...
Ouve a quem te fala
Por favor... vem aqui
Me cala...













"tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu
tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas fossem todas
afinal de contas"

Paulo Leminski

terça-feira, 24 de julho de 2007

Confraria


Não tem jeito
Não adianta insistir
Não há noção
Não há senão
Não me peça
Não obedeço
Não faço, não calo
Não mando no coração
Eu farejo...
Tenho medo...
Espio...
De repente confio
E sem juízo me jogo
Em suas mãos
Porque sou assim
A vida faz o que quer de mim
E se me levou a ti
Acredite...
Eu hei de ser feliz
Trocando contigo miudezas
Vivendo inúmeras incertezas
Sofrendo junto
Sorrindo sempre
Enlouquecendo invariavelmente
Dançando, cantando
Brincando de faz de conta
Me fazendo de tonta
Nesse palco mágico
Que você me montou
E onde vivo uma ilusão eterna
Interpreto meu personagem favorito
Inevitavelmente cômico
Acidentalmente trágico
Inusitadamente bonito
E grato, muito grato
Por estar com você
Por poder te entreter
Por te ter comigo
Por ter seu abrigo
Ser seu fardo e sua glória
Fazer parte da sua história
E ser hoje seu amigo



22/07/07

Ciranda




Onde foi que eu errei, meu amor?
Ao amar não se erra
Só se tenta
Experimenta!
Primeiro quero um pouco de ti
Depois quero tudo de ti
E pode?
Não pode!
O que se pode apenas
É se deixar levar num balé louco
Entre o tudo e o pouco
E ao cair...
Juntar os trapos...
Encerrar os laços...
E rodopiar...

Auto retrato


Com a cara a tapa
Sem apego a nada
Flagelada...
Anestesiada...
Na estrada...
Treinando fugas
Escapulidas
Desculpas esfarrapadas
Polidas...
Orações desperdiçadas
Palavras perdidas
Sem farpas
Disfarça...
Sempre essa farsa...
Desmentida
Metida
Descendo do salto...
Descalça
Descabida
Descabelada
Evitando percalços
Fazendo graça
Tímida e sem graça
Seduzindo a praça
Cansada...
Dengosa...
Boneca de luxo
Valente
Ou de louça...
Descrente
Linda e insossa
Pura, segura
Insana, profana
Barroca
Racionalizada
Minimamente calculada
Por vezes revisada
Sempre reeditada
E depois de tudo...
E além de tudo...
Ainda sozinha
E com a cara a tapa

08/07/07

Reciclagem


É chegada a hora de seguir um rumo
Arrumar sua trouxa e se desvencilhar
Chegou a hora de se reciclar
Deixar o turbilhão das horas e a inconsequência dos dias
Se seguirem... e a ti levar
Chegou o tempo de se reencontrar
E se reencontrando, ficar
Hoje é dia de envelhecer
E envelhecendo, crescer
Rejusvenescer, transcender
E nunca desvanecer...
Jamais!

Ultrapassar os seus próprios limites
E mesmo triste não chorar
Ou feliz não se perder...
Ou se perder... pra mais uma vez se achar

Pra sempre se descobrir novo
Sozinho, no meio do povo
Como um bezerro atrapalhado
Um pequeno pássaro atordoado
Inseguro e sempre disposto
A aprender a voar...

A buscar a imensidão...
A ganhar a amplidão...
Em mutação se revolver...
Se desprender... se aceitar...
E simples como o vento
Alcançar o tênue momento...
De enfim se libertar

29/06/07

Fanfarra


Amarras e farras
Encontros, partidas...
Vidas...
Tão opostas e tão dispostas
Tão lascivas...
E tão amadas, e tão vividas
Tão sonhadas, pouco sofridas
Curtidas, com sal e fel
Com vinho e mel
Como iguaria...

Proponho um brinde a essa vida terna
Se não eterna, que não enferma
Apenas viva...

Viva com avidez, com suavidade
Com vontade!
Com poesia...
Não fique na saudade
Não parta antes do fim do dia
Ou antes do fim da noite... se já a noite ia...

Venha com desejo
Siga seu caminho fresco
E seus amigos loucos
Assuma o seu posto
Descubra o seu rosto
Faça sempre ao seu gosto
Não só sofra nem só ame...
Ou só sofra... e só ame...
Mas sorria sempre
E simplesmente viva!

19/06/07

Epifania bruta, bruta epifania




É tão estranho acordar um belo dia e não se achar lá
Num dia muito belo não se reconhecer
Ver que se mudou, se transtornou
Se transformou
Não sei em quê...
Nem sei porquê...
O tempo passa e pouco fica
Daquele, de mim, de você
Eu gosto de somar sempre
Mas tudo vai tão infinitamente
Tudo se embola, tudo se enrola
Se divide e não se reparte
Se parte e ninguém vê
Não tente descobrir quem sou agora
Essa farsa ainda encoberta
Essa fresta...
Questão eterna pra quem crê
Não tente me compreender
Nem tente me aprisionar
Me surpreenda... pra que eu possa rever...
Meus conceitos... meu peito...
Desperto, incerto
Aberto, sem ter pra quê...

16/06/07

No picadeiro



O palhaço vem pra brincar com minhas dores
Me tornando criança
Me fazendo pirraça
Preu cair na lambança
E fazer junto a graça
Preu lembrar que sou dança
No meio da praça
O palhaço atiça
Essa moça que passa
Sua arte mestiça
Mistura, enlaça
Me rouba sorrisos
Me deixa sem graça
Mas sempre agradecida
Que minha alegria realça
Fantasia... agracia...
E eu digo: muchas gracias!

08/07/07

O ciúme




Todos os músculos se retraem
E todos os sentidos se aguçam
Os nervos se assanham
Os pêlos se eriçam
Os vasos se contraem, dolorosamente
Nesse processo que é pura carne e puro crime
Agulhadas de vodu...
De ti para ti mesmo
Recriação vil da felicidade alheia
Famigeração egoísta dessa alegria...
Como não sentí-lo e não se sentir mesquinho?
Como não deixar essa enxurrada de reações tão violentas quanto verdadeiras
te invadir e te aprisionar?
Como se privar desse sorriso sórdido que vangloria tua própria desgraça e redime tua raiva?
O ciúme te tornas humano como eu
Ainda que não queiras
Te remete a tua mortalidade e te revela pecador contra ti mesmo
O ciúme te é necessário
Porque dele renasces e dele te livras
E nessa renovação de ânimos e dores
Tu te forteleces, te reergues, te reencontras...
Deixa emergir teu eu mais ingrato e mais cínico
Porém mais doce e mais frágil
E infinitamente mais fácil de se amar que teu antigo eu

13/06/07